sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
A MINHA LISTA DE ALGUNS LIVROS (OS QUE ME OCORREM) LIDOS EM 2010
Meu amigo Vasconcelos acaba de engordar o grupinho de seguidores deste blogue. As minhas primeiras palavras são, pois: bem-vindo, António. Soube que o meu amigo tentou comentar - e o comentário não apareceu. Bem, não foi censura do blogue, que não possui qualquer dispositivo para seleccionar comentários. Contudo, acontece que tenho conhecimento (por um telefonema do próprio) do que A. V. me sugeria nesse comentário. Que apresentasse uma lista de uns quantos livros, de entre as minhas leituras do ano que finda, que me tivessem agradado especialmente. Começo por conduzi-los aqui, onde o homem do fraque apresenta a sua própria lista, com algumas sugestões que me ficam debaixo de olho. Quanto a mim. O livro que recomendaria em primeiro lugar é: de Cholokhov, O Don Tranquilo. (Só li o volume I de uma série deles, 4 0u 5). [O problema é que não consegui encontrá-lo nas livrarias. Nem encomendá-lo - estava esgotado, em qualquer uma das possíveis edições. Pessoalmente, fui buscá-lo ao depósito de uma biblioteca, de onde me chegou às mãos poeirento e de capa francamente danificada. Não posso, contudo, deixar de sugeri-lo, porque se um livro por que tanto se espera e se batalha, não decepciona quando por fim se alcança, é porque vale realmente a pena]. Chico Buarque, Leite Derramado Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia (para quem gosta de poesia: excelente) Ken Follett, Os Pilares da Terra (volumes I e II) George Orwell, Homenagem à Catalunha (tenho de falar aqui dele; é encantador na captação do espírito do catalão) Dostoievski, O Jogador José Saramago, As Intermitências da Morte. (Também gostei q.b. de A Viagem do Elefante e de Caim) Mario Vargas Llosa, A Cidade e os Cães Alguns policiais, sobretudo de autores nórdicos, que estão na moda. Por exemplo: Camilla Läckberg, A Princesa de Gelo E algumas releituras: Ferdinand Céline, Viagem ao Fim da Noite Joseph Conrad, O Coração das Trevas Ernest Hemingway, Por Quem os Sinos Dobram Mark Twain, Huckleberry Finn Uma boa festa, um bom ano e boas leituras.
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
AUDE LANCELIN, MARIE LEMONNIER: OS FILÓSOFOS E O AMOR
A ideia parece promissora: a filosofia tem tanto que ver com o amor, que nunca esquecemos, desde o liceu, como a própria palavra contém, na sua etimologia, o termo que em grego significa «amor», «inclinação». Sócrates, pelo menos o Sócrates inventado por Platão, que se confunde com a origem e com o destino da filosofia, é um homem que se ocupa obsessivamente com o amor: quer quando o refere (cf. O Banquete) quer, e talvez principalmente, quando evita referi-lo. Mas para além desta primeira ligação entre a filosofia e philia (enquanto impulso de todo o filosofar), mais duas ligações interessaria averiguar: 1. não será que alguns outros filósofos fizeram do amor um tema central? Que tinham a dizer, que disseram sobre ele? E, finalmente: 2. não foi a vida de certos filósofos um testemunho eloquente de amores, interditos ou não, que os ajudaram a pensar essa coisa, ou em que a sua filosofia do amor se reflectiu?
Naturalmente, o perigo de um empreendimento deste género é o da confusão entre a reflexão filosófica sobre o amor e a biografia amorosa de filósofos. Todavia, desde que se previna metodicamente tal confusão, mostrando, pelo contrário, como se não está em face de duas dimensões mutuamente alheias, mas que se interpenetram e influenciam, a obra tem pertinência e sentido. Aliás, essa dialéctica parece-me o melhor do livro: não ignorávamos as inclinações e os casos amorosos de Sócrates; nem a estranha aridez da vida erótica de Kant; nem a trágica paixão de Nietzsche por uma mulher pela qual alguns dos melhores espíritos (com seus respectivos corpos) se apaixonaram também; nem a estranha, tumultuosa e atormentada relação secreta entre Heidegger e Hannah Arendt; ou o tipo particularíssimo de parceria entre Sartre e Simone de Beauvoir. O que vale a pena é pensar essas experiências à luz das interrogações que os moviam, como vivências sobre que reflectiam ou que a sua reflexão de algum modo marcava.
O «casamento» entre Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir é, a esse respeito, interessantíssimo. A teoria e a prática nem sempre coerentes; o que ambos acordavam e diziam sobre o que era a sua relação, em contraste com o que terceiros dela disseram; a própria diferença entre o que cada um afirmava e aquilo que secretamente desejava (e viria a lume em cartas só posteriormente conhecidas) obrigam-nos a estar conscientes dos riscos da obra de Aude Lancelin e Marie Lemonnier: algo que a qualquer momento poderia resvalar para uma espécie de literatura cor-de-rosa, a palpitar de revelações chocantes sobre os famosos - mas que, na medida em que evita cuidadosamente as armadilhas da facilidade, só pode tornar-se um fascinante livro: trata-se, afinal, de mostrar como o amor foi vivido e pensado, pensado e vivido, ao logo do tempo, por pensadores dotados de corpo. A filosofia não é necessariamente uma ascese. E, no sentido que hoje atribuímos à palavra, Platão não era seguramente platónico. [P.S: a propósito do corpo: o que eu tinha em mente é que o amor é sempre físico, ainda que não seja erótico ou sexual. Existe um corpo que, olhando carinhosamente o amigo (ou pai, ou mãe), olha no fundo um outro corpo; é o meu rosto que sorri à minha filha, é a minha mão que lhe afaga os cabelos...]
NIETZSCHE PARA LOU ANDREAS-SALOMÉ, QUANDO SE CONHECERAM
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
MIGUEL DE CERVANTES: UMA CITAÇÃO DO QUIXOTE
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
O MEU BALANÇO BLOGOSFÉRICO
Quando iniciei o Profissão: Leitor não tinha quaisquer peneiras. A sério. Nem me lembro bem da história - recordo aquela espécie de fome de escrever sobre os livros que amo, numa perspectiva completamente despretensiosa, de leitor, não de académico nem de crítico. Às vezes, um livro surgia como pretexto para falar mais sobre o modo como o encontrara, do que sobre ele; mais sobre as minhas emoções ao lê-lo, do que sobre ele; mais sobre a minha vida (subjectiva e objectiva) em redor do dito, do que sobre ele. A quem raio poderia isso interessar?
E, no entanto, interessou. Suponho que as minhas primeiras seguidoras terão sido algumas ex-alunas que, um dia, me reviram, e a quem referi o blogue. Depois, chegaram leitoras brasileiras de nomes delicados e sonantes, com os seus próprios inesperados blogues. Entretanto, uma Minhota descobriu-me (a propósito de um texto sobre Dona Tartt) e, com o lirismo da sua visão e da sua escrita, veio dar-me conta do que significavam para si as leituras [em] que eu [me] expunha. A seguir, tropeçou em mim Beatrix Kiddo, cujo blogue, Tenho Estado a Ler Whitman, me permitiu a descoberta assombrada de como achar a frase memorável (que B. vai, julgo, pescando e reunindo num caderno mágico) e casá-la eternamente com a imagem justa (que B. pesquisa infatigavelmente). Mas não só: através de Beatrix abriu-se o meu horizonte blogosférico: alguns blogues de verdadeiros eruditos, que nem me atrevo a comentar para não lhes parecer demasiado simplório - mas que não resisto a consumir, como um viciado -, ou os leitores cultos e cheios de curiosidade, que, no longínquo Brasil, sinto tão próximos (Velton Clarindo e Jamil) ou, em Portugal, os perfeitos Anita no Alfarrabista, Rua da Abadia e a A Namorada de Wittgestein.
Só mais tarde Mariana se cruzou comigo. E a minha sede de cultura brasileira (onde eu já encontrara literatura, poesia e música sublimes, cinema e teatro muito bons, o melhor e o pior da televisão, uma imprensa excelente e variadíssima, um trabalho de tradução cuidado, rigoroso e extremamente amplo...) foi sendo mitigada pelo seu blogue profundo e riquíssimo, repleto de caminhos e de surpresas, de jogos de linguagem e de reflexão, não desdenhando dos casos de vida, da profissão, música por todos os poros, cinema. Mariana discute comigo. Obriga-me repensar e a voltar atrás em certos preconceitos. Lança barcos como quem dispara setas, sem repouso. Indica-me novos blogues: fez-me descobrir Zé Alberto, ousado e inventivo amigo do rendilhado barroco de Agustina e da ferocidade provocadora de José Vilhena.
E, tenteando, tacteando, sinto-me profundamente realizado neste blogue pelo que ele tem de abraço, de conexão, de comunicação vital. Como diz um certo anúncio: Podia viver sem ele?! Podia. Mas não era a mesma coisa...
domingo, 26 de dezembro de 2010
CITANDO SOLOMON: ACERCA DO ESTILO EM FILOSOFIA
Robert C. Solomon, Living With Nietzsche - uma das minhas prendas natalícias. (Tradução minha, para o bem e para o mal...)
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
UMA MENSAGEM BREVE
Conto muito com uns quantos.
Logo volto.
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
FRADIQUE MENDES: O INEFÁVEL PACHECO
Eça de Queirós, A Correspondência de Fradique Mendes [VIII]
EÇA DE QUEIRÓS: A CAPITAL
domingo, 19 de dezembro de 2010
FRIEDRICH NIETZSCHE: A GAIA CIÊNCIA
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
CAMILO PESSANHA: VIOLONCELO
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
E QUANTO ÀS OBRAS MAGNÍFICAS QUE NADA TÊM A DIZER?
Numa demorada discussão com o meu amigo Francisco, hoje, apercebi-me de que nos divide a importância da «mensagem».
Francisco exige mensagem à arte. Considera insatisfatória uma obra que, mesmo tocando-lhe nas vísceras e nos sentimentos, não lhe fale igualmente à razão. A tudo tem de subjazer uma intenção - e o trabalho do receptor é sempre um trabalho hermenêutico, o desvendamento de uma narrativa intrínseca. Só faz sentido, para o meu amigo, o que é verbalizável. Aquilo de que se dirá: «Percebo o que queres dizer, autor».
Meu amigo entende que o objecto de arte que não contém um discurso a revelar é um objecto de arte menor e pobre. A Miró, Francisco preferirá sempre o Picasso da Guernica.
Do meu ponto de vista, pelo contrário, é menor & pobre uma arte que se deixe resumir a um discurso (ético, político, religioso, o que seja). A arte, mesmo quando contém uma concepção sobre o real no seu ventre, é arte na medida em que a supera, em que se torna essencial para além dessa concepção.
Francisco pede-me exemplos; digo-lhe: a expressão artística de Nietzsche é sempre maravilhosa, até quando, na minha perspectiva, está errada. Consigo fruir, fascinado, o movimento do seu pensar, mesmo nos momentos - frequentes - em que filosófica ou ideologicamente não estou de acordo com o conteúdo desse pensar. A poesia de Camilo Pessanha, que me prende e me deslumbra, não fala à minha razão. Interessa-me muito pouco semanticamente. Ligo-me a ela pela sua sonoridade, pela transformação das palavras em pura música.
E, finalmente, os surrealistas nunca me falaram à razão: falavam-me à desrazão. Nunca me interessaram pelo propósito, mas pelo despropósito. Até eles tinham um programa revolucionário? Quando começaram a tê-lo, começaram a escangalhar-se...
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
AXLE MUNSHINE, O VAGABUNDO DOS LIMBOS
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
e.e.cummings: a poesia criando a sua regra
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
JOHANN W. GOETHE: FAUSTO
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
MURIEL SPARK: MEMENTO MORI
Já em O Apogeu de Miss Jean Brodie a repetição adquiria uma função decisiva. Repete-se uma frase que desvenda, fatalmente, o seu inverso (ali, era justamente a ideia do «apogeu» que, afinal, deixa adivinhar o pressentimento da decadência); exprime-se um optimismo que oculta um pavor, como se por enunciar aquilo em que queremos acreditar o pudéssemos tornar verdadeiro e espantar a possibilidade oposta, que nos assobra. Muriel Spark fabricou, portanto, uma história, tal como a anterior o era, ambígua e subtil, cuja realidade raramente está no que é dado a ver ou no que é dito, mas precisamente no que não é dito; ou cuja realidade terá de ser arrancada, como se de uma psicanálise se tratasse, a sinais, a sintomas: a uma redundância que se auto-anula, a um silêncio com segundo sentido, a uma falha, a uma distância. Toda a riqueza da obra reside nessa ironia. É fácil, de resto, perdermo-la de vista, confundindo o conteúdo manifesto com o latente: quanto a mim, já houve um realizador que o fez. Veja-se o caso de um certo filme sobre Miss Jean Brodie.
sábado, 4 de dezembro de 2010
UMA CITAÇÃO EM SEGUNDA MÃO: MAS A CITADORA É TAMBÉM INTERESSANTE
Roland Barthes, citado por Adília Lopes
TOLSTOI: RESSURREIÇÃO
Sobre uma sessão de homenagem a Tolstoi aquando dos cem anos de sua morte (e relativamente à qual, em post anterior, me confessei um tanto nervoso), poderão ler tudo aqui: é o sumário dos acontecimentos feito pelo jovem João, de quem fui parceiro na rara aventura de falar, para uma sala cheia, acerca de Lév Tolstoi (ou Leão, como aí se diz).
Mas há outra coisa. E é do que agora venho aqui falar. Nessa Sessão, João d'Eça referia um romance de Tolstoi, Ressurreição, que eu não conhecia. Em poucas palavras, expôs o núcleo da trama: e tão bem o fez que - não no próprio dia, e talvez nem no dia a seguir, mas, assim que pude - me dirigi à Biblioteca minha vizinha e o requisitei.
Ressurreição é inesquecível. Não se admite que um leitor que se apaixona por Ana Karenina (a personagem da obra homónima, que li, aliás, só recentemente) e encontre em Guerra e Paz uma fonte de descobertas poéticas e filosóficas, não veja em Ressurreição um romance maior. Trata-se, como em todo o Tolstoi, da queda e da possibilidade [ou não] de resgate das suas personagens. Trata-se, como em todo o Tolstoi, da reflexão sobre a culpa - sobre as reais implicações de uma culpa antiga, que ressurge do passado - e sobre a verdadeira dimensão da liberdade. É a minha consciência que decide dos meus actos? Ou a consciência sobrevoa, mais ou menos em diferido, esses actos a que chamo «meus» mas são, antes do mais, determinados por medos, cobardias, disposições genéticas, uma imagem a que a sociedade espera que eu corresponda?
Tolstoi constrói uma situação que é o centro dramático de todas estas questões: chamado a participar de um julgamento, como jurado, o príncipe Nekliodov é posto perante Katiucha Maslova, prostituída desde nova, acusada de ter envenenado um cliente. Mas Katiucha é uma mulher que, em jovem, o próprio Nekliodov seduziu e perdeu, num período da sua vida - tão subtilmente captada por Toltoi na complexa diversidade de facetas - em que a consciência moral está como que adormecida, aguardando, diminuída em face da força da busca do prazer e do bem-estar, que se impõe, egocentrista e brutal.
Por outro lado, esta situação e este tema são, nas mãos do génio que é Tolstoi, pretexto e instrumento para o exercício de observar e apontar pequenas e fugazes movimentações do espírito. A consciência nunca é monolítica: uma personagem não é absolutamente boa nem absolutamente má. Erra, mas perante o seu erro, enfrenta-se e começa, verdadeiramente, a conhecer-se a si própria: os sentimentos transformam-se a cada instante, retornam ao ponto de partida, ou dali se escapam precipitadamente; quer reparar e não quer reparar o mal que fez, põe em luta razões para amar e para odiar o mesmo objecto, desilude-se com o que fez e, por outro lado, justifica-o. Tudo é incerto e vago, mesmo quando estabelece um propósito e decide torná-lo o eixo da sua «ressurreição».
E nisto, não só nisto mas «nisto» sobretudo, Tolstoi é o mais actual dos romancistas, o mais subtil. O que menos julga as suas personagens: o que abrange, divina e compreensivamente, todos os lados de todos homens.segunda-feira, 29 de novembro de 2010
O QUE AMO EM E. DICKINSON
Toca-me a necessidade que tem de quebrar as frases com os seus travessões, aqueles traços que interrompem blocos de sentido, para que não atravessemos demasiado precipitadamente para o bloco seguinte.
Toca-me que se pressinta uma visão de perfeita intensidade sob cada um dos poemas que escreveu: a compreensão funda de uma ideia que habita outro mundo, não o mundo das palavras mas o de certos imensos e esplendorosos silêncios, embora nas palavras tenha Emily de se exprimir e comunicar.
Toca-me a ausência de um sistema: cada poema é único e só. Nasce, clareia e dissolve-se. E assim deve ser, para que haja espaço para um outro poema - novo e solitário momento único, que não subsiste para além de si nem se relaciona com nada para lá de si.
Toca-me que um poema seu seja tão difícil quando a ele chegamos e iniciamos a leitura - e tão simples e intuitivo quando o lemos e dele partimos, plenos daquilo em que ele nos transformou.
E gosto da confusão: da ideia de que tudo sobrou em cadernos que ela foi preenchendo com muitas centenas de poemas, os quais não podemos catalogar nem organizar segundo critério nenhum, uma vez que o caos reina nesses cadernos e nem uma elementar sucessão temporal se deixa aí determinar.
sábado, 27 de novembro de 2010
EMILY DICKINSON: POEMA 249 [1861]
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
CLARICE LISPECTOR: A PAIXÃO SEGUNDO G.H.
Sucede-me frequentemente. Às vezes, todavia, por uma certa conjugação de factores, adiamos o encontro. Não encontramos a obra, ou - sim, pode até ser isso - temos algum medo do desapontamento. E sentimo-nos culpados, como se fugíssemos ao destino, a um sentido maior. A um encontro que nos permitiria, quem sabe, encontrarmo-nos também connosco.
domingo, 21 de novembro de 2010
BORGES, LEITOR DE DANTE
A questão aparecia por causa de A Divina Comédia. Nenhum dos dois a tinha lido, ambos desejavam fazê-lo. Morcegos no Sótão preocupava-se, entretanto, com o italiano que deveria dominar para se abalançar a uma tal leitura. Bea7rix recordava a premiadíssima tradução de Vasco Graça Moura - que, porém, se encontra esgotada. Mas, com certa ironia, propunha-se aprender italiano depois de ter lido A Divina Comédia.
sábado, 20 de novembro de 2010
É A MINHA VEZ DE JOGAR
MARGARIDA VALE DE GATO: MULHER AO MAR
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
O TRIO
Mau Tempo no Canal
VITORINO NEMÉSIO: MAU TEMPO NO CANAL
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
HOMENAGEM A TOLSTOI, FALECIDO EM NOVEMBRO DE 1910
A sessão terá demasiadas variáveis que não controlo, ou seja, perspectivas sérias de desastre: um auditório demasiado vasto, dois oradores que se prepararam separadamente e não se encontraram, para um vago acertar de agulhas, senão duas vezes, um nervosismo paralisante da minha parte.
Sei que os meus leitores não poderão ir. (Podendo, é claro, serão muito bem-vindos).
Mas, se entre eles houver crentes, por favor: às dez e meia enderecem uma oração por mim.
Que às dez e meia se lembrem de que, perto ou longe, alguém - eu próprio - estará sofrendo; com papéis a cair sucessivamente ao chão; a beber goladas de água para humedecer os lábios secos e a suar em pleno Inverno, que às dez e meia, repito, se lembrem disso, será já um gesto bonito e suficiente por parte dos não-crentes.
Bebo a vossa energia. A todos agradeço.
terça-feira, 16 de novembro de 2010
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
SARTRE: A MÁ-FÉ
Deste livro, retenho e traduzo um trecho extraordinário. Querem ouvir?
«Eis, por exemplo, uma mulher que se rendeu a um primeiro encontro. Ela sabe muito bem as intenções que o homem que lhe fala alimenta a seu respeito. Sabe também que terá, mais cedo ou mais tarde, de tomar uma decisão. Mas não quer sentir-lhe a urgência: agarra-se unicamente ao que oferece, de respeitável e discreta, a atitude do seu amigo. Não capta essa conduta como uma tentativa para realizar o que se designa por "primeiras abordagens", quer dizer, não quer ver as possibilidades de desenvolvimento temporal que essa conduta apresenta: limita esse comportamento ao que ele é no presente, não quer ler nas frases que lhe dirigem nada senão o seu sentido explícito; se lhe dizem: "Admiro-a tanto", desarma esta frase do seu subentendido sexual; liga, aos discursos e à conduta do seu interlocutor, significações imediatas, que encara como qualidades objectivas. O homem que lhe fala parece-lhe sincero e respeitoso tal como a mesa é redonda ou
quadrada, como a tinta da parede é azul ou cinzenta. E estas qualidades, assim atadas à pessoa que ela escuta, fixaram-se [...] É porque não tem consciência do que pretende: é profundamente sensível ao desejo que inspira, mas o desejo cru e nu humilhá-la-ia e far-lhe-ia horror. No entanto, também não encontraria qualquer charme num respeito que fosse unicamente respeito. É preciso, para a satisfazer, um sentimento que se dirige inteiramente à sua pessoa, quer dizer, à sua liberdade plena, e que seja reconhecimento da sua liberdade. Mas é preciso, ao mesmo tempo, que esse sentimento seja, inteiramente, desejo, quer dizer, que se dirija ao seu corpo enquanto objecto. [...] recusa ver o desejo como ele é, não lhe dá sequer nome, não o reconhece senão na medida em que este se transcende em direcção à admiração, à estima, ao respeito e onde se absorve inteiramente nas formas mais elevadas que produz, ao ponto de não perceber nele mais do que uma espécie de calor e densidade. Mas eis que lhe seguram a mão. Este acto do interlocutor arrisca-se a mudar a situação, apelando para uma decisão imediata: deixar estar a mão, é consentir no flirt, é comprometer-se. Retirá-la, é romper esta harmonia instável que provoca o charme do momento. Há que fazer recuar, para o mais longe possível, o instante da decisão. Sabe-se o que se produz então: a jovem deixa ficar a sua mão, mas não se apercebe disso. Não se apercebe porque acontece, por acaso, que é, nesse momento, toda ela espírito. Conduz o seu interlocutor às regiões mais elevadas da especulação sentimental, fala da vida, fala da sua vida, mostra-se sob o seu aspecto essencial: uma pessoa, uma consciência. E durante esse tempo, o divórcio do corpo e do espírito cumpriu-se: a mão repousa inerte entre as mãos quentes do seu amigo: nem consentindo, nem resistindo - uma coisa. Diremos que esta mulher está de má-fé.»
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
DOSTOIEVSKI, ZWEIG: SOBRE O VÍCIO DO JOGO
Lembro-me de dois livros incontornáveis. Um é, precisamente, O Jogador, de Dostoievski. Nesta novela com qualquer coisa de autobiográfico - aquilo a que chamaríamos semi-autobiográfica - o que se nos expõe é, em toda a sua crueza, o processo de destruição de uma pessoa: em torno de uma certa fortuna que se dissipa, todas as personagens se transformam, todas as vidas mudam e nada será como dantes. Ivanóvitch, um preceptor de espírito são e forte, envolvido sem querer no jogo, acabará por se deixar absorver num presente fátuo, ganhando e perdendo, quem sabe se incapaz de futuro.
O Jogador remete-me para 24 Horas na Vida de uma Mulher: Stefan Zweig, que foi, sobretudo, um extraordinário biógrafo - nunca esquecerei a sua Maria Antonieta, ou o seu José Fouché, sobretudo este último, que li na adolescência mas gostaria de reencontrar - , tentou, com aquela novela, descer ao mais insondável e perturbador da alma humana. Sentimos a presença subliminar da teoria de Freud, ensaiando compreender (como, aliás, em Dostoievski, que constantemente prenuncia e antecipa a psicanálise).
Curiosamente, do livro de Zweig salta uma cena que me assombra, e que não sei se está no texto e a «li», ou se a «vi» no filme que adaptou a história. Mais perturbador: nem sei se vi tal filme, ou se a minha mãe me terá descrito essa cena. Ou se, simplesmente, a imaginei.
Mas tudo se concentraria numa mesa de jogo onde, sobre o pano verde, não vemos senão as mãos, pares de mãos presas de uma vitalidade doentia, expressando nos seus movimentos bruscos, um carácter, um medo, a avareza, a vitória. Dedos aduncos recolhendo moedas, ou dedos tremendo no baixar desalentado das suas cartas.
E, se a cena existe, impressiona-me a perspicácia de Zweig: como no cruzar tenso de mãos sobre um circo de vida e de morte, dispõe um jogo de sentimentos anónimos, inesquecíveis fantasmas do desespero.
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
PROUST & SAINTE-BEUVE
Esta visão, tão cara a Saramago, que julgava ter descoberto a pólvora, é antiga. Numa diferente formulação, Sainte-Beuve não pressupunha outra coisa, quando reduzia a obra ao seu autor. O seu método crítico consistia nisto: em descobrir o homem por detrás do romance; em pesquisar minuciosamente o senhor escritor, nos diversos ângulos da sua biografia:
«Enquanto não dirigimos a um autor um certo número de questões e não lhes respondemos, ainda que para nós mesmos e em voz baixa, não estamos seguros de o captar inteiramente, ainda que essas questões pareçam estrangeiras à natureza dos seus escritos: Que pensava ele da religião? Como era afectado pelo espectáculo da natureza? Como se comportava em relação às mulheres, em relação ao dinheiro? Era rico, pobre; qual era o seu regime, a sua maneira quotidiana de viver? Qual era o seu vício ou a sua fraqueza? Nenhuma das respostas a estas questões é indiferente para julgar o autor de um livro ou o próprio livro, se esse livro não é um tratado de geometria pura, principalmente se é uma obra literária, quer dizer, onde ele entra totalmente.»
Numa das suas obras mais curiosas e menos conhecidas (não está, por exemplo, traduzida para português), e que é um misto de ensaio, rascunho, leitura, memória, discussão, Marcel Proust contesta metodicamente tal posição. O livro chama-se, de resto, Contre Sainte-Beuve. A sua intenção não poderia ser mais clara.
Em primeiro lugar, segundo Proust, o escritor concreto, o autor, esse é que nada é. Posso somar notas biográficas, investigar-lhe o passado, inquirir os vizinhos, as contas, interrogar a sua mulher ou o seu confessor, passar em revista a ficha clínica, que não obterei senão um indivíduo social, semelhante aos da sua cultura ou aos do seu grupo. Saber que Proust era homossexual ou sofria de asma retira ou acrescenta alguma qualidade fundamental à crítica ou à interpretação da sua obra?
O espírito que interessa, o eu que conta, não se concentra na pessoa que se passeia pelo mundo, no indivíduo concreto - com dores de dentes, melancolias várias, num quarto forrado contra o ruído da rua... -, que escreveu um certo romance. Revela-se unicamente na obra. O único Marcel que nos interessa, ao longo de Em Busca do Tempo Perdido, é precisamente Marcel-narrador, esse que vai relembrando os diferentes momentos vividos na sua infância, na sua adolescência, na juventude, na maturidade e na velhice. E quem será, de facto, esse «Marcel»? O próprio Proust? Até certo ponto, sem dúvida, na medida em que é na sua experiência pessoal que o escritor se baseia, mas só até certo ponto: nas semelhanças e diferenças entre «Marcel» e Marcel Proust, no que neles coincida ou em tudo o que radicalmente os distingue, não é a luz de Proust que deve sobressair e iluminar o que lemos; não é a voz de Proust que devemos constantemente subentender: mas esta outra voz inventada, esta personagem que fala connosco, que nos guia e, apesar de fictícia, ganhou uma realidade com dimensões e peso próprios.
Sob «Marcel» está Marcel Proust? Sim. E que me interessa isso, a mim, leitor?