sábado, 23 de outubro de 2010

SUBSÍDIOS PARA UMA LISTA DE LIVROS INVISÍVEIS

Não é verdade que os livros não dêem dinheiro. Dão. Talvez não todos os livros e talvez não aos autores. Mas se não fosse um objecto de consumo capaz de fazer circular muita massa, não haveria tantos comerciantes de poucas letras a meter-se no negócio, a comprar direitos, a comprar escritores, a comprar livrarias, a comprar editoras, a absorver, a devorar.

Numa simples viagem pela galáxia dos blogues, descubro vários, alguns de grande qualidade, que se dedicam aos livros. Observo que, em geral, se trata de comentar os livros da moda, ou seja, os que estão aí, acabados de ser lançados, os que as editoras e as livrarias querem vender. Propositadamente ou não, conscientemente ou não, esses blogues reduzem-se, pois, a veículos de um monumental marketing. Assim funciona o sistema.

Isto só me enerva porque, entretanto, os livros que não estão na moda; os que não vêm agora mesmo das gráficas, ainda frescos de tinta; os que não acabaram de ser referidos na revista Ler, ou na Actual, do jornal Expresso, ou na horrorosa Os Meus Livros -, aqueles outros, permanecem completamente ignorados e esquecidos. Procurei, ultimamente, o Don Tranquilo, e assustei-me com tamanho recalcamento: não o conheciam; pediram-no à distribuidora, que mandou dizer, muito tempo mais tarde, que estava esgotado. Vale a pena mencionar o episódio porque, antes, já andara, atarantado, à procura de Maus, na tradução portuguesa, e mandaram-me passear; quis um romance de Ray Loriga, mesmo na Língua-Mãe do autor, e nada. Experimentem perguntar por Herzog, de Bellow. Ou por Fahrenheit 451, de Bradbury. Ou por Um Estranho Numa Terra Estranha, de Robert Heinlein, que foi como uma Bíblia para os jovens que nós éramos.

O que eu penei por um certo livro de Mario Vargas Llosa (A Cidade e os Cães), antes de o «agraciarem» com o Nobel. Agora, claro, reeditaram-lhe a obra completa. Na altura, tropeçava em Gabriel Garcia Marquez por todo o lado, que não me interessava, e mal sabiam quem fosse Llosa.

Estou, no fundo, a elaborar a minha lista alternativa, uma lista invisível, de títulos que, por enquanto - até que haja uma nova tradução, ou algum prémio retrospectivo, ou a morte do autor, que tende a tornar a sua obra em best-seller - não interessam às editoras nem às livrarias. Nem ao menino Jesus. Esgotados? Não acredito. Mais facilmente os terão queimado, para não incorrerem no crime de lesa-despezismo que é manterem-nos em depósito!

E é assim que as livrarias nos apresentam uns suspeitos tops de vendas, que duvido que não sejam forjados em função de quem pague mais, como parte deste marketing que nos cria apetências e condiciona o que devemos ler, ao mesmo tempo que nos desaparece da vista - e do coração, e do pensamento - o que poderíamos ler.

Não consigo fugir a este sistema. Nem quero. Mas tento não lhe estar submetido. Comprei, por exemplo, Livro, de José Luís Peixoto, e estou já à espera do próximo de Gonçalo M. Tavares. Mas, entrementes, é claro, faço questão de me não me deixar manipular por essa agenda. Não que tal resistência tenha, em si, alguma importância. Ah, não se leia este texto como um manifesto. Já se entendeu que não estou do lado daqueles que recusam ler o que «todo o mundo anda a ler». Só não abdico de continuar procurando e de, aqui, falar acerca daquilo que ninguém anda a ler. Daquilo que está a um passo de nos desaparecer das memórias curtas.

De cada vez que consigo devolver, à consciência, algum livro recalcado, seja porque mo emprestaram, seja porque o trouxe de uma biblioteca, ou porque existia um depósito em que restava um derradeiro exemplar, recordo esta verdade simples: a literatura é infinitamente mais do que aquilo em que o mercado toca.

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