sábado, 12 de fevereiro de 2011

JOSEPH CONRAD: LORD JIM




Sou um leitor que, mais do que devorar, deixa que certos livros o devorem.

De Joseph Conrad, o nobre polaco que aprendeu tarde o inglês (aos vinte e três anos), mas o aprendeu com tamanha perícia, que se tornou um cultor da língua, o meu livro preferido é The Hearth of Darkness. [Traduzido, em português, como O Coração das Trevas: obra maior acerca de um homem que mergulha na sua própria obscuridade, no seu lado selvagem, que o é de todos nós, e a frágil polidez da civilização julgara erradamente haver suprimido para sempre].

Mas há um outro romance que não esqueço. Lord Jim. Vi-o em cinema: não gostei; lera-o, a primeira vez, ainda demasiado jovem, e pareceu-me maçador. Reli-o mais tarde, já professor, porque tinha ficado marcado por um gesto do protagonista, um acto que transformaria toda a sua vida. Quis falar disto aos meus alunos. Até que ponto um acto que demora uma fracção de tempo pode ter o poder de me configurar para sempre, ao olhar dos outros, como um «cobarde»? Ou como um «herói»? Não dizia Borges que a verdade de uma vida pode ser encontrada num único instante?

Conrad - não me tomem por presunçoso - deve ser lido em inglês, porque o seu inglês o merece. E merece o trabalho e o esforço que possa dar. Lord Jim vale, pois, pela escrita muito bela, pela linguagem sofisticada e difícil; mas é, principalmente, um romance iluminado por questões filosóficas decisivas acerca da acção, que sempre me preocuparam. E questões acerca da escolha: o que há, neste gesto em que me defino, ou os demais me definem, de realmente «escolhido» e decidido por mim? O que há, em cada gesto meu, por outras palavras, de realmente «meu»?


Em Lord Jim subsiste o lado conradiano que, em si mesmo, menos me interessa, o do infinito e tenebroso horizonte marítimo, das tempestades, dos piratas, dos naufrágios. Mas é esse, também, o singular elemento da relação entre os homens ou, pelo contrário, da solidão; e, em todo o caso, sempre do encontro - às vezes do desencontro? - do sujeito consigo próprio. É sempre isto, o homem em face de si, o tema e o segredo: é-o em O Coração das Trevas, em Lord Jim, em Nostromo; até em O Agente Secreto se trata do homem perante si mesmo. É-o sempre de um modo a que a presença do mar, como em Lord Jim, empresta uma inigualável intensidade.

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