sexta-feira, 22 de abril de 2011

SÉNECA: CARTAS A LUCÍLIO





Não procedo desse modo. Os meus leitores sabem-no bem.


Nunca o conseguiria: a minha natureza como leitor é análoga à da raposa, que não se fixa e viaja constantemente, aliciada pelo seu faro e pela sua intuição. Prefiro seguir a minha natureza.



E, no entanto, descobrindo Séneca (uma sábia recomendação de Gonçalo M. Tavares, que o refere amiúde como uma influência decisiva), não resisto a transcrever esta lição, de que discordo, mas cuja beleza retórica e filosófica me toca profundamente:



«Demasiada abundância de livros é fonte de dispersão; assim, como não poderás ler tudo quanto possuis, contenta-te em possuir apenas o que possas ler. Dirás tu: "Mas sinto vontade de folhear ora este livro, ora aquele." Provar muita coisa é sintoma de estômago embotado; quando são muitos e variados os pratos, só fazem mal em vez de alimentar. Lê, portanto, constantemente autores de confiança e quando sentires vontade de passar a outros, regressa aos primeiros. Reflecte todos os dias em qualquer texto que te auxilie a encarar a indigência e a morte, ou qualquer outra calamidade; quando tiveres percorrido diversos textos, escolhe um passo que alimente a tua meditação durante o dia

3 comentários:

Mariana disse...

Prezado José Pacheco: o conselho é sábio, mas não é justo. Algumas pessoas necessitam dos livros como do próprio ar que respiram, não pelos livros em si, mas pelo que neles vai. Eu viveria sem livros? Viveria, se fosse obrigada, e com isso corrijo a hipérbole acima. Mas quando penso em tudo que ainda tenho a descobrir, que não li metade dos livros que os amigos me recomendaram, que já ouvi falar muitíssimo bem de "O arco-íris da gravidade" (Thomas Pynchon), mas por enquanto não passou de um impulso de comprar, pois a fila do que há para ler é grande, então o princípio da parcimônia não procede. Para quem ama os livros de paixão, é difícil pensar em limites, embora, cedo ou tarde, preferências se esbocem.

Zé alberto disse...

Séneca, no seu bom rigor e de igual modo pródiga clarividência, pretendeu conceber uma "luva" que a todas as sensibilidades se ajustasse, de igual modo justa e consonante.
Tal matéria (a escolha do que nos suscita prazer literário) não é susceptivel de sujeitar-se a normas ou leis que determinem aficácia no coração dos indivíduos.
Afinal de contas, é do amor (ao Texto) que falamos.

Abraço!

josépacheco disse...

Perfeitamente de acordo com os meus dois amigos. Continuo a pensar que o texto é, de alguma forma, muito belo e está cunhado de uma forma que me cativa. Mas não para seguir.