terça-feira, 21 de junho de 2011

CLARA PINTO CORREIA: ADEUS, PRINCESA


Num certo período, quando Adeus, Princesa apareceu, Vasco Pulido Valente, com o seu gosto pela provocação, chegou a afirmar que nunca lera um romance português tão bom, desde os de Eça de Queirós. Mais tarde, entre obras de divulgação científica e uns quantos romances mais, a ficção de Clara Pinto Correia veio a revelar-se de uma tal indigência, que o mesmo V. P. V., com um humor cruel, escreveu que mantinha a sua opinião sobre Adeus, Princesa, mas reconhecia que, ao construir um livro de tamanha qualidade, a autora certamente se tinha enganado.

Adeus, Princesa é, de facto, uma extraordinária história. Principia por nos situar no Alentejo, reconstituindo, diante dos nossos olhos, uma aldeia que é uma espécie de personagem colectiva, muito bem definida como expressão de um tempo de luta política e tremendas dificuldades económicas; e de conflito de valores (geracionais, ou entre uma visão rural e uma visão citadina), do que decorre um clima sufocante, de suspeitas e vigilância, onde todos seguem os movimentos dos familiares, dos vizinhos, do próximo. Há, nesta composição de uma terra, qualquer coisa de Nemésio, qualquer coisa de Gabriel Garcia Marques.

Clara Pinto Correia tem uma escrita, se bem me lembro, um pouco árida, que evita qualquer retórica. (Ou, se eu fosse mau: qualquer arte). Mas, em contrapartida, manipula muito bem a técnica policial, numa dialéctica em que vai revelando o suficiente de cada vez, nunca mais do que o suficiente, e ocultando elementos de que nos dá, porém, os indícios necessários. A morte de um alemão, mecânico na Base Aérea da Nato, em Beja, é o centro da trama.

De certa forma, é na criação das personagens que Clara Pinto Correia se torna aqui mais interessante: Mitó, adolescente que vivera uma paixão por Helmut (e se acusa a si mesma do assassínio deste) e, por outro lado, a dupla de repórteres que chega da cidade para cobrir o crime, um pata-tenra ingénuo e arrogante, e um fotógrafo cínico e perspicaz, são as facetas que, em conjunto, fazem de Adeus, Princesa um romance cheio de espírito e de humor, melancólico, cínico e apaixonado, compreensivo e muito belo. Um romance único: quanto mais não seja, no sentido em que a autora nunca mais fez nada tão bom.

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