sábado, 4 de junho de 2011

DINO BUZZATI: O DESERTO DOS TÁRTAROS


Existem alguns autores assim: praticamente desconhecidos, apesar de haverem marcado intensamente uma certa época, antes de a sociedade, com a sua atenção frágil e dispersa, em busca de novidades, os recalcar de novo; amados por pequenos grupos de leitores, que fazem de uma das suas obras um objecto precioso de culto, sobre que lhes apraz falar, mas que gostariam até que não fosse excessivamente divulgada.

Dino Buzzati é um desses autores. Descobri-o por equívoco: quando comprei um livro chamado Pânico no Scala, esperava satisfazer um certo vício, o de devorador de novelas policiais: em vez disso, saíra-me a sorte grande. Um conjunto de contos de extensão desigual, no primeiro dos quais, precisamente «Pânico no Scala», há efectivamente um certo tom policial, mas temperado por uma ironia e uma criatividade surrealista, que é, de resto, o que melhor define a singularidade da voz de Buzzati.

Quando, mais tarde, trouxe de uma livraria O Deserto dos Tártaros, já sabia o que tinha nas mãos. O Deserto dos Tártaros não é um romance de que gostamos imediatamente: é um romance com qualquer coisa de deserto: a mesma amplidão de espaço, o céu a perder de vista, o castanho da ilimitada areia; sobretudo, é um romance sobre o deserto em nós, ou sobre aquilo que poderíamos designar por emoções de deserto: a espera, a infindável espera de algo que não acontece - acontecerá? -, mas a que dedicamos toda a nossa vida, abdicando de outras possibilidades, imediatas, palpáveis; a solidão, a morosidade e a paciência.

É um livro que deixei a meio, antes de o retomar, meses mais tarde, decidindo então voltar ao princípio, para tentar fazer minha, de algum modo, a escolha de Giovanni Drogo, que, tendo a possibilidade de trocar o seu posto, naquela fortaleza perdida no deserto, vai adiando a sua saída, rendido ao espírito do deserto e à expectativa de um ataque dos tártaros, de que se fala (ao longo dos anos) como se fosse uma possibilidade iminente. É, de certa forma, um romance sobre nada, ou sobre a fé. Gosto das implicações filosóficas com que termino este post. «Um romance sobre nada, ou sobre a fé»: e cada leitor que interprete como entender a comparação subjacente, enquanto eu me retiro pela esquerda alta, para não estragar o que pensem ter descoberto que eu queria dizer...

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