quinta-feira, 9 de junho de 2011

NASSIM NICHOLAS TALEB: O CISNE NEGRO


As pessoas a quem falo de O Cisne Negro principiam por reagir como se soubessem de que se trata; geralmente, descobrimos que laborávamos num equívoco: pensavam que me referia a um romance de que se fez um filme, o qual recebeu óscares. Ora não: o meu Cisne Negro é outra coisa.

Nassim Nicholas Taleb é o autor de um livro prodigioso - não um romance, mas aquilo a que em filosofia se chama uma teoria epistemológica, ou seja, uma teoria acerca da natureza, método, objectivos e limites do conhecimento científico. Taleb é um pensador muito crítico. Torna-se inevitável que nos perguntemos, nós que não somos cientistas, até que ponto podemos levá-lo a sério, e mesmo até que ponto se leva ele a sério. O problema é que, de algum modo, estamos condicionados para uma espécie de reverência ao discurso científico. Tantas provas, tantos nobel, uma linguagem matemática tão rigorosa, uma armadura à prova de bala deixam rasto no nosso espírito.

A essência da tese de Taleb pode resumir-se assim: a evolução da ciência não tem que ver principalmente com aquilo que os cientistas, seguindo um certo padrão, conseguem prever. Em rigor, nada é cientificamente previsível. Um padrão (ou um "paradigma", se quiséssemos usar a terminologia de Kuhn) é mais uma "força de bloqueio" (recorrendo agora à terminologia cavaquista) do que uma fonte de novidade. A história da ciência ou, pelo menos, digamos assim, uma biografia não autorizada das ciências, parece mostrar que as grandes descobertas não foram previstas: eram imprevisíveis. O Cisne Negro é uma metáfora dessa fuga ao padrão e ao esperável, fuga essa que, uma vez que surge, acaba tendo um extraordinário impacto sobre o conhecimento.

Curiosamente, na entrega dos globos de ouro da sic (sim, assisti a excertos da cerimónia...), um jovem de ar vagamente exótico veio receber o prémio para o melhor modelo masculino. Um jovem alto e magro, de ascendência africana, com uma cabeleira hirsuta, que disse: «É engraçado que eu esteja aqui agora a receber o globo para o melhor modelo masculino, e que seja o único português que faz parte da lista dos cinquenta melhores do mundo. Porque há dois anos. quando me quis tornar modelo, as agências fechavam-me as portas. Ninguém me dava trabalho: diziam que eu não tinha características...»; este rapaz era um cisne negro. A tal distância, podemos dizer que as agências foram estúpidas por não terem previsto que tudo aquilo que ele possuía de raro era precisamente o conjunto de características que o tornaria requisitado. Ele era único porque fugia ao padrão. Mas como haveriam de ter previsto que um cisne negro funcionaria, ali onde se julgava que o modelo certo, o único possível até, teria de se resumir ao cisne branco?

O centro do ódio de Taleb é, simbolicamente, a curva de Gauss - esse padrão vagamente matemático segundo o qual, com a repetição de um gesto aleatório (atirar uma moeda ao ar, ou escolher um número ou uma cor na roleta do casino, ou verificar se as peças que caem ao acaso terão mais probabilidades de se concentrar à esquerda ou à direita), a tendência será para se encontrar um certo equilíbrio das probabilidades: um «centrão» que iria, progressivamente, excluindo os resultados extremos. Para Taleb, este desenho, puramente artificial, representa uma das maiores fraudes da história do conhecimento. Estamos programados para, de certa forma, pensar assim: mas a verdade, pelo contrário, é que o «centrão», a média, a normalidade, isto é, a norma, só são aceitáveis porque os historiadores da ciência fazem da ciência uma narrativa: não tomam em consideração as provas silenciosas; suprimem as anomalias que não beneficiam o sistema, que não se ajustam às expectativas. E, contudo, silenciosamente, é sempre o estranho, o extremo, o inesperado, aquilo que, a prazo, quase sempre acidentalmente, abre os caminhos da novidade e da invenção, das novas ideias e das teorias futuras.

Sem comentários: