segunda-feira, 15 de agosto de 2011

NINA BERBÉVORA: A ACOMPANHADORA


Posso compreender perfeitamente a razão por que uma autora tão interessante e tão rica, só nos anos anos 80 se tornaria uma súbita revelação: tanto tempo de espera para uma mulher que nascera em 1901, viveu a revolução russa, foi exilada para França em 1925 e emigrou para os Estados Unidos em 1950. E a razão é uma aparente simplicidade, uma escrita em que, numa primeira aproximação, tudo se resume a umas frases que dão pouco nas vistas, narrando uma história que não fere de imediato, não rebenta por lado nenhum em foguetes. Imagino sem dificuldade editores ou críticos lendo com uma certa displicência um texto dela, pousando o copo de uísque enquanto viram uma página.

É um engano. Não conheço muitos autores que enganem deste modo. Que pareçam demasiado simples, excessivamente pobres, até ao momento em que penetremos numa certa palpitação interior, e compreendamos que há uma contenção deliberada, no limiar do resumo, do tópico rápido, que, no entanto, captura a essência da vida e dos sentimentos.

A «acompanhadora» é uma rapariga - a própria narradora -, muito jovem, que, numa Rússia sofrendo ainda as dificuldades e o espírito da revolução, acaba contratada para «acompanhar», ao piano, uma cantora lírica. O que me parece extraordinário é a complexidade e a densidade do seu sentimento em relação a Maria Nikoláevna: um misto de inveja, porque esta é a protagonista, no palco, e é bela, tem uma vida requintada e amantes; temperada por um elemento ideológico que vem justificar essa inveja e esse ressentimento em face dos privilégios da cantora («injustos», «burgueses»); e, simultaneamente, uma admiração quase ilimitada por ela, essa mulher que reúne todos os atractivos que a jovem acompanhadora nunca terá.

E, portanto, tudo se passa, interiormente, entre a compreensão e o desejo de vingança. A compreensão por uma história de amor interdita, a infidelidade de M. Nikoláevna, que faz a jovem perguntar-se, momentaneamente, se não deverá matar o marido daquela, para a libertar; desejo de vingança que a põe em face da certeza, por fim, de que é aquela mulher amada-odiada que tem de ser morta. O revólver seria sempre o mesmo, em todo o caso, descoberto com receio e fascínio numa gaveta.

É um romance breve, uma novela, muito profundo e muito belo. Terá esperado anos de mais para se tornar conhecido do mundo. E mais alguns, ainda, para que, pela mão invisível do acaso, eu tropeçasse nele, folheando-o, «Que será isto?», numa feira. Mas «tarde», em literatura, nunca significa «tarde de mais».

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