sábado, 17 de setembro de 2011

THOMAS HARDY: UM PAR DE OLHOS AZUIS


O romance parece uma rede cultural e literária. Notem o conjunto de referências subjacentes ou explícitas: o título de cada capítulo, por exemplo, é citação-chave (de Shakespeare, principalmente, mas não só: Marlow, Gray, Burns...) e há outras, constantes, a autores e a obras que, de certa forma, definem o universo e a tradição com que Um Par de Olhos Azuis dialoga e de que se pretende a continuidade.

Com uma escrita delicada, muito suave, descrevendo o ambiente e as personagens com agudeza, Thomas Hardy revela-nos pessoas na sua ambiguidade de sentimentos e valores e naquela hesitação humana que Shakespeare tão brilhantemente nos soube mostrar. Esta capacidade de captar pessoas que nem sempre compreendemos, mas, sobretudo, que nem sempre se compreendem muito bem a si mesmas, nem aos seus sentimentos, nem, muitas vezes, às razões secretas do próprio coração, é uma das linhas que distinguem as maiores obras.

Este Romeu e esta Julieta, contrariados, no desejo que os compele um para o outro, pelo pelo pai da rapariga, têm nome para a atracção que sentem. Amor, paixão. Subtilmente, Hardy vai insinuando que as palavras definitivas são enganadoras. Qualquer atracção é composta de diversos ingredientes, desde a inocência ao interesse, desde uma afinidade de gostos à excitação provocada precisamente pelo facto de esse amor ser impedido por agentes extrínsecos. E os ingredientes vão-se recompondo em novas e paradoxais combinações, com diferente poder de união. A decisão irreversível tomada uma manhã pode parecer-nos estranha e impossível na manhã seguinte.

Os preconceitos são analisados por Hardy com um humor doloroso, mas, ao mesmo tempo, com uma disponibilidade para aceitar e amar todas as personagens nos desajustamentos e nas fragilidades. Escutamos uma voz cuja subtileza pode ser confundida, por vezes, com pouca profundidade: são os pequenos gestos que contam, os movimentos íntimos, minúsculos e mutáveis, muito mais do que as palavras grandiloquentes e as decisões inabaláveis; os preconceitos, muito mais do que o carácter ou as filosofias; o coração, com as suas razões discretas, seguramente mais do que a razão.

Ao humor e à delicadeza da narração de Hardy há que acrescentar a sua perícia na forma como lida com as tensões e com a ignorância do leitor relativamente ao todo dos factos. Multiplicam-se fios de mistério que nos prendem, situações que não sabemos como interpretar, dúvidas que nos fazem penetrar ansiosamente o capítulo seguinte. Camilo e Proust são dois nomes que recordaríamos para tentar dar a ver em que consiste um certo estilo, um certo tom, um certo romantismo que ama as suas personagens, mas não crê excessivamente na pureza absoluta do que as move.

1 comentário:

Cozinha Experimental disse...

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Abraço fraterno.