sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

DOMINGOS AMARAL NA TV


Houve um tempo em que os "intelectuais", por razões de compromisso ético, viam a intervenção pública como um imperativo. Eram entrevistados, vinham à televisão, falavam em comícios. Acrescentavam o microfone e o megafone à pena. O homem ser estrábico, roufenho ou gago, devinha irrelevante em face deste seu dever político ou cívico. Os "intelectuais" eram engagés. Viam-nos e ouviam-nos porque a sua voz física, ainda que entaramelada, exprimia uma posição.

Há-os, ainda. Escritores que pensam que o seu estatuto lhes confere um suplemento ideológico. Os candidatos à presidência convidam-nos, os partidos convocam-nos. Mas existe, cada vez mais, outra coisa, também.

A «outra coisa» consiste em escritores que evoluem (ou degradam) para comentadores. Não por terem uma posição cívica a defender, mas porque sim. Ou que evoluem (degradam) para personalidades-residentes em programas de política, cultura e/ou entretenimento. Se nada tenho a opor à ideia por princípio, se reconheço até que alguns literatos são excelentes comunicadores (vale sempre a pena escutar Clara Ferreira Alves, por exemplo, e Pedro Mexia tem wit), devo acrescentar que outros há que se não percebe ao que vão. Ou por outra, percebe-se: dará sempre jeito acrescentar uns tostões à mesada. Mas não deviam preocupar-se com a sua imagem? Não seria de pensar duas vezes antes de se aceitar um convite? Verificar se têm talento para aparecer no pequeno ecrã, se falam bem em público, se não fazem tristes figuras? Lá dizia o Salazar, que, ao menos nisso, via longe: Isto da televisão é um teste decisivo para os políticos: poucos lhe sobreviverão... Bem, pois para os "intelectuais" também.

Desagrada-me cair  numa argumentação ad hominem, mas, caramba! Domingos Amaral, que é um romancista que se lê com certo gosto e algum proveito, tem aceitado ir falar de futebol num programa, das suas irritações em outro, de não sei que mais em não sei onde mais. O homem vai a todas e, sinceramente, não devia. Porque se atrapalha, é pouco claro, se fixa em duas ou três ideias que não relaciona nem desenvolve, porque não consegue argumentar. Vê-lo no último Irritações explicar a diferença entre Fidel Castro, um «filho da puta genial», como lhe chamou, e outros ditadores, tornou-se um exercício penoso. Nem sequer por razões ideológicas, mas porque não se percebia o que diacho queria dizer e onde queria aportar, numa salgalhada em que já considerava que «Hitler nos fascina mais do que Estaline», sem entendermos em que aspecto é que isso valorizaria ou desvalorizaria Fidel.

Mesmo admitindo que há gostos para tudo, talvez as pessoas, sobretudo as que são boas em certos meios, devessem fugir daqueles outros meios que só revelam o seu lado pior.

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