sábado, 16 de setembro de 2017

JONATHAN COE: A CASA DO SONO


Jonathan Coe é um daqueles autores de que alguma coisa (uma crítica que li? uma conversa entre leitores? o próprio nome - terá sido algo tão pobre como isto?) de que alguma coisa, pois, me levou a criar uma certa imagem, um específico cambiante do interesse. Como se precisasse de o ler para penetrar em um universo, que me chamava mais sob a forma de uma finíssima expectativa emocional do que de razões fortes (mas atenção, que essa espécie de expectativa leve já me pôs na peugada de grandes obras). O livro que tinha então em mira chamava-se O Círculo Fechado.

Dessa estreia no que respeita ao autor sobressai, hoje, a memória de uma história um pouco entediante (mas tecnicamente exímia) sobre um grupo, narrada em dois tempos muito diferentes e em dois espaços muito diferentes, um dos quais sendo Berlim. E pouco mais. Ou nada.

A Casa do Sono, que li recentemente, não tem outras premissas: alterna também duas épocas diferentes, com alguns anos a separá-las, e revela um similar virtuosismo técnico, o qual domina uma narração deliberadamente fragmentada, de tal forma que, durante algum tempo não conseguimos perceber como encaixarão certos "fragmentos" no todo, ou seja, o que têm a ver, com a história, aquelas situações e, até, aquelas personagens que parecem entrar bruscamente em cena. Inútil acrescentar que, a seu tempo, o puzzle se comporá numa perfeita coerência narrativa.

A isto, adicione-se o tema, o sono (e as perturbações de sono de várias personagens que, precisamente, se irão reencontrar em Ashdown, antiga residência estudantil, convertida, anos volvidos, num centro psicológico que visa estudar os seus casos). Introduz-se, portanto, com o sono e o sonho, uma outra possibilidade, o velho mote cartesiano, que é nunca podermos ter a certeza de distinguir entre o que foi realmente experimentado e o que foi sonhado.

Porque entre as personagens, quando ainda jovens, há estudantes de cinema, o cinema torna-se omnipresente neste romance. Ele é, tal como o sonho, um trabalho de ilusão, uma narrativa visual. Os diálogos destes jovens estudantes acerca de realizadores ou filmes são importantes e, mais do que isso, apaixonantes. Curiosamente, a própria escrita de Coe deixa-se contaminar e incorpora meios cinematográficos, quer por uma exuberância de pormenores na descrição, como para nos dar a ver, quer pela forma como se detém em certos objectos e em certos movimentos, recriando um perturbador efeito de câmara lenta.

De tudo isto, o que fica? Um romance que flui aprazivelmente; em que as personagens, todavia, criadas a partir das suas neuroses (mesmo, senão principalmente, os psicólogos) nunca se aproximam muito de nós, conservando uma distância afectiva que as torna confundíveis - e esquecíveis. Fica, ainda, uma estupefacção perante a ingenuidade de alguns dos seus problemas e questões, alguns dos seus actos, alguns dos seus discursos. Mais do que ingenuidade, uma infantilidade. Como um romance sobre adolescentes.

Por inegáveis qualidades que tenha, espanta-me um pouco que o Wall Street Journal o apresente taxativamente como "uma estranha e poderosa história de amor", e Bret Easton Ellis garanta que Jonathan Coe é "o mais estimulante autor britânico da actualidade".

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