quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

CHAIM POTOK: THE CHOSEN


Encontro neste livro que Andy, minha prima americana, me ofereceu pelo Natal, em inglês (e de que não existe, que eu saiba, tradução portuguesa), a essência concentrada do romance oral, o espírito que, num certo sentido, alguns autores norte-americanos invocam e reconstituem tão bem - no momento em que o julgávamos perdido, ou esquecido, entre novos caminhos, experimentações, desconstruções de vária ordem. Não se deixem enganar pelas minhas palavras: em primeiro lugar, estou longe de pôr de parte ou depreciar autores vanguardistas; muito pelo contrário. Mas, mais importante, não se pense que aquela espécie de simplicidade que me atraiu em The Chosen é a simplicidade da inocência e da estreiteza de recursos. Esta simplicidade é um segredo.

O segredo consiste em ter-se o génio para ser capaz de tomar um mundo que não é o da maioria dos leitores (o meio dos judeus, nos EUA, ao tempo da II Guerra e do Dia D, que acompanhamos, em parte, pelo transístor do protagonista, hospitalizado), e levar-nos a penetrar nesse mundo a partir dos sentimentos e das emoções de personagens, que, a despeito do hiato temporal e cultural, são os nossos sentimentos e são as nossas emoções.

Há um romance de que gosto muito, muito, muito, e que esta simplicidade narrativa me relembrou continuamente: The Catcher in the Rye. Existe em ambos, aliás, o mesmo cunho, ou, até, o mesmo sabor "americano" subjacente ao olhar do narrador, nos dois casos um adolescente amante de baseball.

A esse propósito, deixem-me dar conta da experiência que foi, para mim, a leitura do primeiro capítulo de The Chosen. Trata-se da narração de um jogo entre a equipa de Reuven Malter, o narrador, e uma equipa de jovens judeus ultra-ortodoxos, hassidistas, para quem a vitória significará a confirmação de que são os eleitos, os correctos, e, ao mesmo tempo, a punição dos outros (também judeus, mas não tão estritos, não tão apegados à forma da lei: apikoros, apóstatas, como os designam com desprezo). O interessante é que, como não entendo baseball e ignoro por completo as regras do jogo, a leitura do relato das movimentações, em campo, de jogadores cujo objectivo desconheço, poderia muito rapidamente ter-se tornado fastidiosa. E, todavia, não. Não, porque compreendemos o essencial: e o essencial é que se trava uma guerra santa entre personagens cujos temores e ódios são perfeitamente claros - como perfeitamente claro e legível é sempre o olhar de cada um sobre o outro.

De todas as personagens, maravilhosas no que as faz elas próprias, riquíssimas no pormenor, destaca-se, por fim, ao longo desta história, "o eleito", o escolhido. Danny Saunders, filho do Rabi Saunders, com todos os seus ângulos e contradições, que talvez principiemos por odiar, antes de aprendermos a amá-lo, é, de certa forma como todos nós fomos ou somos, um jovem encurralado. Um refém do destino. E o seu dilema, a armadilha em que a vida o prendeu, toca e move o romance inteiro. Toca-nos e comove-nos, para além das distâncias e das diferenças.


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